“Em Nome do Pai”

emnomedopaipor Marta Dalla Torre Fregonezi & Valéria Codato Antonio Silva*

É indiscutível a importância da figura materna para o desenvolvimento psíquico da criança. Todos reconhecem a díade mãe-bebê como a relação primordial na vida de qualquer ser humano, levando-se em consideração que a criança humana nasce prematura e inacabada, necessitando portanto, dos cuidados de outra pessoa para sobreviver e, em particular, da mãe. A mãe é aquela que  acolhe o bebê dede seu nascimento, e até mesmo antes, ao habitar seu mundo imaginário, oferecendo a ele um lugar a ser ocupado em seu desejo. Através dos cuidados essenciais, a mãe que nutre e protege seu bebê, acima de tudo investe de afetos sua relação com o mesmo. É o que permite a criança reconhecer o olhar, a voz, o cheiro daquela que posteriormente chamará de “mamãe”.

No entanto, esta relação exclusiva e excludente é tão necessária nos primórdios da vida, quanto a sua ruptura. É somente através da alternância presença / ausência da mãe, que a criança poderá pouco a pouco se diferenciar e separar-se da mesma em busca de sua própria identidade, e isso só será possível quando a mãe alimenta outros desejos e interesses para além de seu bebê. Portanto, é somente a mãe quem poderá transmitir um lugar terceiro entre ela e a criança, o qual será ocupado, geralmente, pela presença do pai – um homem para quem seu desejo de mulher se vê endereçado.

Então, o pai é aquele que “salva” o filho de uma relação dual, indiferenciada e mortífera, na medida em que  separando-o da mãe (ao fazer dela sua mulher), o possibilita ingressar no mundo da linguagem, do simbólico, da cultura.

Torna-se desta forma, imprescindível que o pai e a mãe não abdiquem de seu lugar de homem e de mulher para que a transmissão da lei seja possível.

A figura do pai não pode se reduzir a um mero reprodutor biológico, ou como um mantenedor econômico de sua prole. Um pai não pode ser somente “pai-de-nome”. Sua palavra deve registrar  uma autoridade, uma lei a preservar a saúde mental dos filhos. Portanto é “em Nome do Pai” que a criança deve abdicar de seu lugar supostamente de plenitude e completude junto à mãe para que possa “des-colar” desta e “decolar” rumo ao social, e por ter essa lei paterna inscrita em seu psíquico, isto lhe permite adequar-se a todas as leis da cultura.

Mas o que temos presenciado nesse contexto pós-moderno em que vivemos?

Até algumas décadas atrás, os papéis masculino e feminino eram bem definidos e claros, sendo a mulher aquela que se fazia mãe e esposa, e o homem aquele pai provedor, cuja autoridade elegia normas e ordens. Contudo, diante das mudanças sócio-culturais ocorridas e principalmente desde que a mulher saiu do mundo privado rumo ao público, deixando o ambiente doméstico em busca de outras realizações pessoais e profissionais, tal equilíbrio foi rompido.

E, principalmente, o que se produziu foi uma mudança radical na maneira de se educar e de se relacionar com os filhos.

Por um lado, houve uma maior aproximação entre as gerações, sendo muito freqüente hoje observarmos pais e filhos fazendo programas em comum, como por exemplo brincar no play-center, disputar jogos de computadores ou até mesmo soltando pipas e jogando bola juntos. Também é muito freqüente pais exercendo a função de “paternagem” quando se dispõe a auxiliar nos cuidados básicos com a criança (por exemplo trocar fraldas, alimentar, dar banho, etc.)

No entanto, o pai não deve se restringir a executar tais tarefas, nem mesmo se colocar numa posição “semelhante” em relação ao filho, o que conseqüentemente o faz “irmão de seus próprios filhos”.

O mais sério e agravante no momento atual é que à mulher é atribuído um poder incomensurável, o qual reduz a figura paterna a uma presença “dispensável”, quando não incômoda. O crescente das produções independentes (tão comuns entre atrizes globais) também está cada vez mais freqüente entre as classes mais pobres.

O que dizer então das atuais possibilidades de concepção do ser humano, diversas da tão conhecida “Relação Sexual”? As manipulações científicas mais recentes na fecundação até mesmo excluem a célula masculina, o que possibilitaria a uma mulher se tornar mãe sem a presença ou menção a um pai, nem mesmo que fosse ele um mero doador anônimo.

Essa mudança no papel masculino e feminino e por conseguinte de maternidade e de paternidade, os insere numa nova cena, na qual a ideologia se resume em consumir e acumular bens, o que não é sem conseqüências, já que seus  sinais estão bem evidentes nas novas formas de sofrimento psíquico.

As neuroses,  frutos de um “pai terrorífico”, parecem dar lugar às fenomenologias clínicas – aneroxia, bulina, adições, fenômenos psicossomáticos, depressão, “síndrome do pânico”, suicídio, que se há bem pouco tempo faziam-se presentes, na atualidade parecem acontecer de forma epidêmica.

Estes reflexos estão também explícitos no social, onde o declínio do Nome-do-Pai, e conseqüente indulgência às leis produz uma sociedade órfã. A ausência dessa referência terceira gera alternativas protéticas de organização social nas formações grupais ou bandos delinqüentes, ou ainda o apelo à lei detentora nos atos homicidas tão freqüentes em escolas ou lugares públicos.

Não há como dispensar os inúmeros benefícios dos avanços da ciência e tecnologia, nem como retroceder aos velhos moldes da família, abdicando-se das conquistas femininas. No entanto, apesar do fascínio deste “Admirável Mundo Novo”, se faz necessária a cada sujeito construtor de sua história e por conseguinte de sua comunidade, uma reflexão acerca de tal realidade.


* Psicanalistas.

Publicado na Revista Espaço Acadêmico, nº 04, setembro de 2001, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/004/04marta.htm

7 comentários sobre ““Em Nome do Pai”

  1. Parabéns pelo artigo, concordo a Marta em vários aspectos e adoraria ver o posicionamento da autora frente a um outro fenômeno que parece patente nesta reconfiguração do papel do pai, e, ao mesmo tempo, no papel da mãe e da família como um todo. Diz respeito à dupla exteriorização pai-mãe – já que observamos a “presença” de ambos num mercado de trabalho e, por conseguinte, a decorrente “ausência” de ambos na criação e educação do filho. Isso se agrega ao fenômeno do “pai-irmão” enquanto motivos de deslocamento da autoridade familiar. Jorge Veschi, por exemplo, nos acrescenta outra variante disso através das novas formas do complexo de Édipo, onde a relação com as máquinas assegura a continuidade dos laços afetivos essenciais à criança. Curioso fenômeno decorrente de tal desvio surge na atitude das crianças que hoje são capazes de direcionar censuras não só a atitudes do pai e da mãe, como de outros adultos do convívio familiar. Por um lados nos admiramos com essa lucidez da criança em apontar e criticar pequenos delitos morais dos adultos à sua volta, por outro não nos indagamos sobre a origem desta “moralidade explícita” das crianças. Tal liberdade para com os adultos não parece emanar de uma autoridade que tenha vindo desses, mas de uma nova forma de referência social que a criança toma como fonte de linguagem e valores. Infelizmente não seriam somente esses os elos mantidos entre a criança e máquinas, como a televisão, computador, etc. Eis o que insurge como as novas formas do complexo de Édipo, desvio pós-moderno por onde trilham os laços formadores da identidade.

  2. Certa vez li um livro de ficção que falava de uma sociedade futurística onde os filhos eram tirados dos pais assim que nasciam e eram cuidados por uma equipe multidisciplinar composta de médicos e técnicos do governo, com vistas a integrar um exército que iria defender aquele país de possíveis ataques de inimigos, eram treinados para não conhecerem o sentimento de amor ao próximo, ou algo assim. Essa sociedade pós-moderna em que vivemos não fica muito diferente daquela ficção, os filhos nascem e após cerca de quatro meses, período de amamentação previsto em lei, são deixados em uma creche para a mãe trabalhar. O pai por sua vez só chega à casa do casal à noite cansado do trabalho e também não tem tempo para o lar. Isso sem falar no número de divórcios que grassam nossa sociedade. Agora inventaram a possibilidade da adoção de bebês por casais homossexuais. O equilíbrio psicológico da criança obtido pelo método edipiano proposto por Freud e por Melanie Klein, no período de formação da personalidade não acontece mais. Vejo que nossa sociedade pós-moderna é uma sociedade completamente diferente daquela de pouco mais de cinco anos atrás. Casamento é uma instituição falida. O assunto “sexo” se tornou algo vulgar. Pergunto como será a sociedade dos próximos cinco ou dez anos à frente? Será que o hitlerismo se efetivará? Acho que estamos caminhando aceleradamente para a fixação de uma sociedade totalmente programada. Os bebês serão produzidos por laboratório e, as pessoas do futuro serão programadas para determinados fins ou participação específica na sociedade. Talvez que em outro planeta possa surgir uma sociedade de homens e mulheres que se amam, que viverão como um dia nós vivemos. Seremos os “ETÊS” para eles! Falar em Deus para essa sociedade de hoje é como falar num personagem de desenho animado com aqueles seres estranhos e terríveis, que não existem na realidade. Desculpem se divaguei além da conta e, parabéns pelo artigo “Em nome do pai”.

  3. A autora coloca uma temática de grande valia que são as relações familiares e suas contribuições para a formação psiquica e social do indivíduo. Concordo com as colocações da mesma já que os pais não devem esquecer que embora a relação amorosa tenha findado, existe um fruto dessa relação que não deve ser disputado como um mero objeto, pois este ser necessitará mais do que nunca de carinho, compreensão para que possa perceber-se importante para seus pais enquanto fruto de uma história significativa e não como um objeto de disputa que possa ser exibido como um troféu.

  4. As sociedades se transformam e se esforçam para se adaptar aos novos tempos. Já vivenciamos sociedades matriarcais e patriarcais. Os israelitas educavam suas mulheres nas tradições para que elas, como guardiãs destas tradições, as transmitissem às novas gerações no recesso do lar. Esta unidade familiar focada na autoridade paterna provém do cristianismo e de interesses economicos. Entretanto, tendo a mulher se emancipado e ocupado seu legítimo espaço dentro da sociedade, debate-se agora de que forma criar e educar filhos dentro deste novo contexto. Em 1970, Alvin Toffler lançou um livro “Future Shock” onde analisa todas as mudanças sociais provocadas pela segunda revolução industrial, que transformaram nossa visão de mundo. Há um capítulo no qual ele reflete sobre as novas formas de unidade familiar, que dadas as circunstâncias atuais não se restringe mais no trio pai, mãe, filho/s. Ao contrário, amplia-se envolvendo parentes e educadores que se dedicam à educação infantil.
    Não se deve jogar sobre as novas formas de unidade familiar o peso de filhos que fracassam. Pois, embora esta unidade se projete hoje de forma diferente à do passado, o que importa na educação infantil é a quantidade de amor, segurança, e transmissão de valores que lhes dispensamos. E convenhamos, a unidade familiar baseada na trilogia pai, mãe, filhos, tem sido quebrada através dos séculos, pelas guerras, por questões econômicas, doenças, epidemias. O que falta hoje é a valorização da ética, e sem ela a sociedade subjuga o comportamento moral ao que convém aos seus interesses. E os interesses atualmente são muito mais coletivos que individuais. Dai os problemas que os jovens enfrentam quando não conseguem responder afirmativamente às cobranças sociais.
    Cordiais saudações
    Regina

  5. Muito interessante o artigo sobre os pais. Sou professora e presencio diariamente fatos como os apresentados no texto. Estamos acompanhando dia após dia a desestruturação da família, algo tão sagrado tempos atrás e isso implica na educação, na formação de jovens que futuramente poderiam vir a ser um líder no governo, na sociedade em que esteja inserido, mas o que se percebe? Pais que não pensam na hora da procriação, nascem filhos sem um pingo de estrutura familiar e pelo jeito a tendência tende a piorar. O que será que nos reserva o futuro desta meneira? Parabéns pelo texto.

  6. Excelente esta matéria, gostaria q todas as pessoas tivessem a oportunidade de lê-la e refletir o quão é importante nutrir laços e saber elaborar perdas
    PARABÉNS,irei repassá-la na íntegra para aamigos e colegas

  7. Estamos diante de uma situação complexa que não é do conhecimento da maioria dos progenitores. Alguns pais ao romperem o compromisso com a esposa ou companheira se afastam da família, rejeitando com a mãe também seus filhos. Por outro lado, muitos procuram preservar os vínculos afetivos com seus filhos mas são vitimizados pela síndrome de alienação parental perpretada por uma mãe egoísta que não consegue aceitar o rompimento do vínculo amoroso com o seu antigo par e promove a retaliação, a destruição da imagem do pai, usando para isso até o ignóbil argumento de abuso sexual.
    O juduciário deveria preparar muito bem os seus magistrados para que não embarcassem num jogo destrutivo e sem volta para a relação pai e filhos.
    Em casos assim o curador da vara de família deveria antes de dar seu veredicto recorrer a uma boa equipe multidisciplinar que iriam avaliar psicologicamente o casal.
    Vera Britto

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