O PT e os marxismos da tradição trotskista – Introdução

ANTONIO OZAÍ DA SILVA*

 

htbAs organizações trotskistas brasileiras estão historicamente vinculadas à trajetória do movimento comunista internacional, à organização fundada por Trotsky: a IV Internacional, fundada numa conferência realizada em Paris, em 03 de setembro de 1938. Os fundadores adotaram um documento base redigido por Trotsky, que ficou conhecido como “Programa de Transição”. Para Trotsky e seus seguidores era necessário manter o fio da revolução proletária mundial rompido pela contra-revolução stalinista. Com o passar dos anos, a IV Internacional se dividiu em diversas tendências e frações. No emaranhado de siglas que reivindicam a continuidade da IV Internacional fundada, destacam-se Ernest Mandel, Nahuel Moreno e Pierre Lambert.

Mandel morreu em 20 de julho de 1995. Dirigente da IV Internacional (Secretariado Unificado – SU) desde 1946, Mandel iniciou a militância durante a 2ª guerra mundial, na resistência ao nazismo: tinha apenas 16 anos. Sobrevivente do campo de concentração, continuou a militância na Internacional e no Partido Socialista Belga. Expulso desse partido em 1964, por sua adesão ao trotskismo, ele fundou o Partido Socialista Operário da Bélgica. Internacionalista, chegou a ser proibido, no início dos anos 70, de entrar na França, EUA, Suíça, Austrália e Alemanha Ocidental. Sua produção intelectual é extensa. No Brasil, suas ideias permanecem vivas na ação dos militantes da Democracia Socialista, Tendência petista vinculada ao SU .

O argentino Nahuel Moreno liderou a formação da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), uma dissidência da IV Internacional (Secretariado Unificado). Fundada em 1981, em Bogotá (Colômbia), a LIT é identificada ao morenismo. Após a morte do seu líder, em 26 de janeiro de 1987, a LIT viveu sua crise no final dos anos 80 e início da década de 1990. O ápice deste processo foi a divisão da sua maior e mais importante seção: o Movimento ao Socialismo (MAS). [1] No Brasil era representada pela CS – maioria no PSTU.

Em 1994, a Tendência Bolchevique Internacionalista (TBI), rompeu com a LIT e fundou o Centro Internacional do Trotskismo Ortodoxo (QI). [2] Este organismo é apoiado em nosso país por um grupo de trotskistas que rompeu com a Convergência Socialista por divergir do processo de construção do PSTU. Essa dissidência chama-se Liga Operária Internacionalista (LOI) [3]

A QI-CIR (Quarta Internacional – Centro Internacional de Reconstrução) representa a VS lambertista do trotskismo. Assim ficou conhecida devido à liderança de Pierre Lambert, dirigente histórico da Organização Comunista Internacionalista (OCI), seção francesa da QI-CIR. O lambertismo também se dividiu nos anos 80 e, em 1993, reproclamou a IV Internacional. Sua seção brasileira é a Corrente O Trabalho.

Ressalta-se ainda a liderança de Jorge Altamira e Guillermo Lora, dirigentes que são referências internacionais para vários militantes do trotskismo na América Latina. O primeiro destaca-se na liderança do Partido Obrero (PO) da Argentina. No Brasil, suas posições são compartilhadas pelo Partido da Causa Operária (PCO). [4] Lora é a expressão máxima do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano. Em nossos trópicos, é reverenciado pela Tendência pelo Partido Operário Revolucionário (T-POR). PO e POR eram as principais seções da Tendência Quarta Internacional (TQI), formada no final dos anos 70 após a expulsão do Partido Obrero do seio da QI-CIR. A TQI, por sua vez, fragmentou-se no final dos anos 80, com a evolução das divergências entre suas principais lideranças e seções nacionais. [5]

Por fim, devemos registar a IV Internacional Posadista, criada por J. Posadas – também argentino – ainda nos anos 60. [6]

Não é nosso objetivo discutir os motivos da sua fragmentação em diversos organismos internacionais. Contudo, é inquestionável que esta realidade também influi diretamente sobre a atuação prática e as formulações teóricas dos trotskistas brasileiros. Sem desconsiderar este fator, interessa-nos sobretudo analisar como cada organização em particular evoluiu em relação ao PT e à conjuntura nacional e internacional. Nesta parte, analisaremos as principais correntes trotskistas. Começaremos pela corrente O Trabalho. [7]

 

* ANTONIO OZAÍ DA SILVA é docente do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá (DCS); autor de História das Tendências no Brasil (São Paulo: Proposta Editorial, 1987) e de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí-RS: Editora da Unijuí, 2008). Texto publicado originalmente na REA, n. 0, maio de 2001, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/000/0trotskismo.htm Os textos destas série compõem a Dissertação de Mestrado, “Os partidos, tendências e organizações marxistas no Brasil (1987-1994): permanências e descontinuidades.”, orientada pelo Prof. Dr. Maurício Tragtenberg, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC/SP. A banca foi composta pela Profa. Dra. Isabel Loureiro, Prof. Dr. Lucio Flávio de Almeida e o orientador, em 1998. O texto na íntegra está disponível em http://minhateca.com.br/prof.ozai/Documentos/SILVA*2c+Antonio+Oza*c3*ad+da+Silva.+Os+partidos*2c+tend*c3*aancias+e+organiza*c3*a7*c3*b5es+marxistas+no+Brasil+(1987-1994)+-+perman*c3*aancias+e+descontinuidades+(Disserta*c3*a7*c3*a3o+de+Mestrado+-+PUC-SP),12265740.pdf

[1] O Movimento ao Socialismo (MAS) já havia sofrido uma cisão em 1988, com a expulsão dos “trotskistas ortodoxos”, os quais fundaram o Partido dos Trabalhadores ao Socialismo. Estes setores passaram defender a reconstrução da IV Internacional, embora se reivindicassem da LIT. O racha se deu em 1992.

[2] Eles declaram que a LIT degenerou, isto é, tornou-se revisionista: abandonou o Programa de Transição e se adaptou a um programa e uma política etapista. Portanto, se colocam a tarefa de dar continuidade à luta de Trotsky e de Nahuel Moreno. A cisão deu-se no 5º Congresso da LIT. Ver o texto (sem título) que explica os motivos da ruptura, assinado pelo Secretariado Internacional. Centro Internacional del Trotskismo Ortodoxo (IV Internacional), em: Panorama Internacional, nº 1, outubro/dezembro de 1994, pp. 34-50.

[3] Os dissidentes consideraram que a CS se diluiu no PSTU, o qual é caracterizado como “um movimento que não tem o eixo de sua política na luta anti-imperialista e que centra sua atividade no processo eleitoral burguês”. Liga Operária Internacionalista. Pela construção de um partido revolucionário no Brasil. Ver: O Socialista, nº 01, agosto de 1994, pp. 02-03. (Este texto é apresentado como seu manifesto de fundação).

[4] A Causa Operária surgiu a partir de um núcleo de militantes que divergiu da política da OSI em relação aos sindicatos e à política de construção do partido revolucionário, que resultava em posições opostas sobre o PT. Fundada em seu 1º Congresso, em fevereiro de 1980, sob o nome Organização Quarta Internacional (TQI).

[5] Um painel sobre os trotskistas e suas internacionais até os anos 80 está em História das Tendências no Brasil, op. cit., pp. 204-212.

[6] A IV Internacional Trotskista-Posadista ressurgiu recentemente no Brasil com a retomada da publicação do periódico Frente Operária, que se apresenta como o “Jornal periódico fundado em 1953, pelo Partido Operário Trotskista-Posadista (PORT-P). Ressurge criticando a “desfiguração e adaptação” do PT à “institucionalidade burguesa”. Esclarecem que o jornal deixou de circular por quatro anos, por problemas organizativos, mas que sua intervenção não cessou neste período, “tanto na América Latina, como na Europa, como no Brasil”. “Encontros do PT: desfiguração e adaptação à institucionalidade”. Frente Operária, nº 477, junho de 1977, p. 03.

[7] Por uma questão pedagógica e metodológica, consideramos mais apropriado tratar esta corrente neste capítulo – já que ela se insere no quadro das organizações que se reivindicam do trotskismo. No entanto, ela foi uma das principais componentes do Movimento Na Luta PT!

4 comentários sobre “O PT e os marxismos da tradição trotskista – Introdução

  1. “Um destino tão funesto: as relações entre mestre e discípulo na psicanálise”, escrito pelo psicanalista francês François Roustang, gerou mal estar entre psicanalistas. Porque o livro trata das rupturas no interior da psicanálise desde Freud ainda vivo. A mais significativa ruptura, neste período, foi entre Freud e Jung, que fundou sua própria teoria “analítica” ou “arquetípica”, que gerou confusão entre os leigos no campo psi.

    Ora, de lá para cá, centenas de siglas que abrigam psicanalistas de todas as tendências se proliferam pelo Brasil e pelo mundo. Cada um diz ser fiel as matrizes da psicanálise. Cada um tem seu fundador-guia, algo como “eu sou o caminho, a verdade e a luz”, portanto, sigam-se. A servidão voluntária ao grande mestre faz parte do pacote da formação psicanalítica, e, infelizmente este ponto não entre na formação analítica e nem na análise didática, observa Roustang.

    Ora, no CAMPO MARXISTA [ou seria marxiano?] sofre dos mesmos sintomas que o campo psicanalítico. Não tive o trabalho de contar, mas o belo texto do prof. Ozai, acima, mostra siglas e mais siglas, evidentemente todas são fiéis as ideias de Karl Marx, todos professam o socialismo como alternativa ao capitalismo, talvez uns sejam mais reformistas, outros mais revolucionários; uns mais progressistas outros tentem ao posmodernismo niilista. Existe até aqueles que incorporam o sentido da “democracia burguesa”, que, no fundo ODEIAM!!! Onde estaria “um destino tão funesto” no pós Marx, das siglas? Minha hipótese aponta para a protopatologia de falta de diálogo – dialogia- entre os seus membros. E como seria se um deles chegassem ao poder? Seriam enfim “dialógicos” ou iriam fuzilar os dissidentes e discordantes como “traidores do povo”? Por falar em povo, talvez a pior ironia – ou sarcasmo – desta proliferação de siglas-feudos é: cada vez mais tais grupos sobrevivem dentro de universidades públicas e endógenas com discursos passadistas, que não atraem a geração Y. Um sintoma ‘triste’ deste grupos: seus líderes são honoráveis-vitalícios. Como não ver neles um apego narcisista ao pequeno-poder, até que a morte o leve? Que tal ler “Discurso da servidão voluntária”? de Etienne de La Boètie? Triste destino funesto da psicanálise e do marxismo. (Em tempo: Wilhelm Reich, que foi expulso tanto do Partido Comunista alemão como da Sociedade Psicanalista, ainda da década de 30).

    • boa tarde!
      obrigado por ler e comentar.
      a multiplicidade de siglas não é novidade no campo da esquerda… está em sua gênese… o próprio “socialismo marxista”, em suas origens, teve que disputar espaço com outros pensadores socialistas, como os “utópicos”.

      Abraços e tudo de bom

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