O público e o privado na história da educação brasileira

WALTER PRAXEDES*

O projeto Parceiros da Escola tem antecedentes de mais de um século na história do Brasil republicano.

A disputa pelos recursos públicos destinados à educação começou logo após a Proclamação da República, em 1889. A Constituição republicana, de 1891, proibia os governos Federal e estaduais de subvencionarem as escolas particulares.

Na época, um mercado de ensino secundário estava nascendo como uma alavanca rentável para os empreendimentos educacionais, principalmente católicos e protestantes.

Com a proibição constitucional, os governos estaduais e grupos dirigentes locais passaram a burlar a Constituição Federal cedendo terrenos e prédios, financiando bolsas de estudo e realizando convênios para apoiar as escolas de ordens religiosas, muitas vezes de origem estrangeira, e que já contavam com a experiência de prestar serviços educacionais em seus países de origem.

Para defender a aplicação de recursos públicos na escola pública, em 1924 é fundada a Associação Brasileira de Educação, propondo a ampliação da rede de escolas públicas, tendo em vista do desenvolvimento econômico e democrático do país. Em 1932 é lançado o famoso “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em defesa da escola pública, gratuita e laica como um direito da população.

Com o apoio do Presidente Getúlio Vargas, que cedeu o Ministério da Educação e Saúde ao controle da Igreja Católica, em uma aliança com o então influente Cardeal Dom Sebastião Leme, na Constituição de 1934 os estabelecimentos particulares conseguiram que ficasse definida uma possível destinação de ajuda financeira aos estabelecimentos particulares.

Após a queda de Getúlio Vargas, a Constituição de 1946 determinou que fosse elaborada uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Durante a tramitação da LDB no Congresso, dois grupos se opuseram frontalmente: de um lado os defensores da educação pública em todos os níveis para toda a população brasileira, e, de outro lado, os defensores dos interesses dos estabelecimentos particulares que advogavam para si a destinação das finanças públicas, como ficou definido pelo Congresso Nacional dos Estabelecimentos Particulares de Ensino, ocorrido em 1948.

Em dezembro de 1961, o Presidente João Goulart, recém-empossado após a renúncia de Jânio Quadros, buscando ampliar sua base de apoio, sancionou a LDB contemplando os interesses dos estabelecimentos particulares.

No contexto histórico dos debates para a aprovação da LDB, o sociólogo Florestan Fernandes foi um dos líderes da Campanha em Defesa da Escola Pública, lançada em maio de 1960. Para Florestan Fernandes, era fundamental garantir o direito de todos à educação, concebida como dever do Estado, por meio da universalização da escola pública. De acordo com suas palavras, “o que preocupa é como disciplinar o Estado de modo a impedir a concentração e o monopólio de poder nas mãos de pequenos grupos”.

O Regime Militar brasileiro, entre 1964 e 1985, promoveu algumas reformas educacionais que ampliaram a oferta de vagas nos ensinos públicos e privado em todos os níveis. A UEM nasce nesse contexto.

A partir das décadas de 1990 e 2000, nos Governos FHC e Lula a educação básica chegou próximo à universalização em nosso País, atendendo quase a totalidade das nossas crianças, embora até hoje a maioria das escolas não tenham condições adequadas, incluindo instalações sanitárias, salas de aula, mobiliário, corpo docente qualificado e acesso às redes de eletricidade e Internet.

Nesse período, a expansão do ensino privado chegou a atender cerca de 80% dos estudantes universitários, 8 em cada 10 alunos. Em 2023 as matrículas de universitários na modalidade de Educação a Distância chegaram a 2 milhões e 300 mil alunos, contra cerca de 2 milhões no ensino presencial. Mesmo assim, apenas 15% dos brasileiros já concluíram o ensino superior, e menos de 0,6% realizaram cursos de mestrado e doutorado no Brasil.

Na educação básica prevalece a educação pública com cerca de 80% das matrículas, contra 20% dos alunos matriculados em escolas privadas.

Com 80 % do ensino superior sob controle do setor privado, em grande parte custeado pelos programas públicos de financiamento estudantil como PROUNI e FIES, os interessados na expansão do mercado educacional adotam como alvo atender uma parcela maior da educação básica (incluindo a compra de vagas nas creches privadas pelas prefeituras). É uma estratégia de negócios.

O projeto Parceiros da Escola é mais um round no recorrente embate entre os defensores dos direitos à educação pública e aqueles que defendem os interesses privados na história da educação brasileira.  

Os interesses privados devem se sobrepor ao direito à educação pública, gratuita, laica e universal da maioria dos paranaenses e brasileiros? O Governo estadual do Paraná já escolheu o seu lado. Quem não concorda vai precisar se engajar em uma nova Campanha em Defesa da Escola Pública.


* WALTER PRAXEDES é Sociólogo. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento de Ciências Sociais da UEM.

Um comentário sobre “O público e o privado na história da educação brasileira

  1. Uma boa síntese deste recorrente percurso institucional da relação público/privado na Educação Básica e no Ensino Superior.

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