Poemas de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Receita de Ano Novo!

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegrama?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

 

Passagem do Ano

Passagem do AnoO último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus…

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de kant e da poesia,
todos eles… e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gesto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

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MÃOS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

9 comentários sobre “Poemas de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

  1. Sou geólogo e fiz a releitura da poesia de Drmmond No meio do Caminho Tinha Uma Pedra.

    Drummond nascido em Itabira vendo o Pico do Cauê, um maciço de ferro, foi lavrado e já não tem mais. itabira é um retrato pendurado na parede.

    Uma abraço, Everaldo Gonçalves

  2. Silencia o clipe, silencia a voz do poeta. Meu coração permanece em morna penumbra, apreciando calado e em paz um presente que só pode provir de amigos! Um tanto atrasado desejo a todos as virtudes para construir o ano novo a que se refere Carlos Drummond de Andrade.

  3. Belos poemas de Carlos Drumond. Sempre festejamos, mas o fim nunca chegará. Sempre haverá um outro dia. Mesmo quando partirmos para o infinito, haverá outro dia em um misteriosos lugar. Feliz 2012!

  4. Começar um novo ano com as bençãos de Drummond com certeza é mais que um bom presságio é uma certeza de vida em abundância.

  5. Não se comenta a Drummont. Não se responde a ele, pois, ele é pergunta e resposta. Continuaremos mesmo contando com recursos da poesia e de Kant, olhando paisagens pela janela, como homem e seu contrário, a perene sombra vazia. Recebendo a Revista e seu espaço, renovando esperança de academia para darmo-nos com fitness que sacie a indigência do saber. É o que faremos, caso a vida siga encarnada e concedendo ao humano a tolice de sempre.

  6. Rico!
    Assim como o poeta, todos nos sentimos assim ao terminar um ano: “Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
    mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
    e de copo na mão
    esperas amanhecer.

    Sempre esperamos que o amanhecer traga momentos melhores, sempre…até o momento do “início da longa viagem para a vertigem das eras, para a desaparição do silêncio dos milênios” (VF)…

  7. Ótimas mensagens. Boas para compreendermos a verdadeira face do “espírito natalino” tão fantasiado de hipocrisias. Velho mundo!Triste história. Mas, havermos de reconstruí-lo com todas as pedras encontras no caminho, carregdas pelas mãos calosas dos sque pelejam por um novo tempo, a cada ano novo.

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