Georges Rudé, as multidões de junho no Brasil e as simplificações jornalísticas a seu respeito

ALEXANDER MARTINS VIANNA*

PAÍS EM PROTESTO 20-06-2013

Rio de Janeiro, 21 de junho de 2013

“Há duas semanas, observamos protestos em vários centros urbanos contra o aumento das tarifas de transportes coletivos e a falta de qualidade de transportes urbanos”. Eu poderia iniciar este texto assim e, ao fazê-lo, já estaria simplificando o mundo de experiências em ebulição fora de meu texto. Outra opção poderia ser: “Vemos o vandalismo contra o patrimônio público e a reação contra os partidos políticos. Isso é um atentado contra a democracia”. Neste caso, estaria criando um enorme foco sobre ações pontuais e correndo o risco de reduzir o todo a uma parte pouco representativa do conjunto das agendas que emergem nas multidões de junho.

Nas décadas de 1960 e 1970, num momento de ebulição social, política e cultural da descolonização, da luta pelos direitos civis e da contracultura, o historiador marxista britânico Georges Rudé (1910-1993) dedicou-se a estudar as Multidões na História, focado no eixo cronológico 1780-1860, com foco comparativo nos casos francês e inglês. Naquele momento, Rudé demonstrava a originalidade epistemológica de transformar em objeto de estudo, numa chave distinta da psicologia social de antanho, um agente social coletivo desinstitucionalizado: a Multidão. Observem: não era “povo”, “classe” ou “nação”, conceitos sujeitos a institucionalização jurídica, política e econômica, mas “Multidão”. Naquele momento, pensar a categoria “Multidão” como agente social tinha grande frescor contextual. A sua escrita era de esperança em relação à renovação social, econômica, cultural e política para além do capitalismo.

Ao pensar nas manifestações das multidões de junho de 2013 e nos vestígios da imprensa sobre tais eventos, chequei à conclusão de que valeria a pena recuperar algumas ponderações de Georges Rudé, pois constatei uma patente incapacidade, ou má fé, dos meios de comunicação massivos, abertos e do “horário nobre” (desonrado por notícias superficiais) na forma de lidarem com o agente social “Multidão” e os vários movimentos sociais, indivíduos e agendas que compõem o mundo do pós-Guerra Fria. Rudé fizera um trabalho de sistematização e tipificação das ações de revolta das “Multidões”.

Num polo, os “motins de fome” seriam agentes sociais coletivos que teriam conotação mais tradicional, centrada na negociação social coletiva pela restauração de preços segundo o costume das comunidades. Nessa perspectiva, ainda de Ancien Régime, a “Multidão” se revoltava cobrando dos poderes públicos a função tradicional de mantenedor do “máximo” dos preços sobre cereais (a base da alimentação), segundo os costumes das comunidades afetadas por carestias.

Antes de os valores sociais ligados à economia de mercado serem incorporados ao hábito social, as noções de riqueza, preço e inflação não eram pensadas pelas multidões nos termos conceituais quantitativos, sistêmicos e abstratos da economia política. No jogo tradicional da economia moral dos “motins de fome”, as mulheres tinham um papel estratégico ratificado socialmente pelo costume: exigir do poder público a proteção do justo preço do alimento e, quando o assunto era protelado demais, elas reuniam-se em multidão para abrir os silos da cidade, ou dos especuladores, para distribuírem o alimento segundo o costume do justo preço. Não por acaso, muitos homens participavam dessas ações disfarçados de mulheres. Quando eram descobertos pela polícia, eram presos como arruaceiros.

No outro polo da tipologia de Rudé, estariam as ações de revolta da “Multidão” que teriam efetivamente um caráter político revolucionário, pois não estariam preocupadas apenas com o sustento da mesa por meio do justo preço. Para Rudé, o que definiria uma natureza revolucionária para a ação da “Multidão” seria uma agenda clara de objetivos de conquistas de direitos sociais, jurídicos e políticos que implicariam em efetivas transformações sociais, econômicas, políticas, jurídicas e institucionais em relação ao status quo. As manifestações de junho não cabem na primeira tipologia, mas tampouco estariam plenamente aderidas à segunda. No entanto, Rudé chamava a atenção sobre a necessidade de se conhecer os alvos das manifestações de uma multidão para se entender as suas dinâmicas internas formativas e os seus significados socioculturais e políticos de curto e longo prazo.

O esforço de Rudé para tipificar e sistematizar as “Multidões” como agentes sociais serve como um ideal-tipo, um ponto de partida a ser verificado e não o ponto de chegada da análise, pois tipificar já é reduzir a experiência e o agente social a um discurso analítico (e devemos lembrar que Rudé se posicionava criticamente em relação à abordagem de “Multidão” da psicologia social do primeiro terço do século XX). Como sabemos, dependendo das figuras do discurso (seja este verbal, sonoro, visual ou a sobreposição destes), há uma moralização negativa ou positiva do objeto, mas quase sempre simplificadora. Em geral, os cientistas sociais hodiernos têm consciência do efeito discursivo redutor do método analítico que utiliza e, por isso mesmo, têm o hábito de desenvolver, em contexto acadêmico, uma escrita autorreflexiva.

Infelizmente, não posso dizer o mesmo a respeito do mundo da velocidade do webjornalismo e do mercado de notícia. As multidões de junho têm sido reduzidas a entes discursivos acionados apenas para provocar uma experiência que caiba numa pauta simplificada de sentenças simples de três a quatro linhas, porque escrever bem sobre um assunto é ser simples e previsível em estilo, palavras, motivos e tópicas. A escrita webjornalística sobre a experiência das multidões de junho têm sido uma repetição incessante de motivos e temas, em vez de ser um franco e honesto desafio de explicar o que efetivamente os ultrapassa na experiência social.

Do ponto de vista estilístico, a escrita webjornalística sobre as manifestações de junho tem demandado notícias impactantes como, por exemplo, a depredação do patrimônio público (aliás, fires in the night, em vôos panorâmicos de câmera, têm um especial apelo dramático), pois rende mais clics e compartilhamentos nas redes sociais (e contratos publicitários), particularmente se tais notícias vierem acompanhadas de fotografias igualmente impactantes dos “vandalismos”, da “insegurança pública” e das “pobres pessoas que foram transtornadas em suas volta para casa depois de um dia de trabalho”. Aliás, mesmo que alguma informação mais substancial exista, acaba sendo descentrada na memória visual e temática webjornalística sobre as manifestações de junho.

Quando Georges Rudé pensou a sua pesquisa para século XVIII, teve de lidar com o desafio de fontes que se dividiam entre uma minoria de panfletos das multidões que sobreviveram em arquivos (quase sempre policiais) e a narrativa institucionalizada e estereotípica de quem as reprimiu. Nos eventos que observamos em junho, parte da imprensa “livre” está assumindo um papel discursivo de polícia na tipificação das ações dos manifestantes. Obviamente, não se trata de dizer que a imprensa não deveria noticiar as ações “caso de polícia” de alguns indivíduos e grupos nas manifestações; porém, reduzir majoritariamente o foco a tais temas já é fazer uma escolha de caracterização geral centrada em motivos policiais que ficarão mais marcantes na memória das pessoas que somente tiveram contato com as manifestações por meio da imprensa ou dos efeitos dos transtornos na volta para casa.

Uma “Multidão” que se forma e se revolta repentinamente em função de um gatilho imprevisto nas relações sociais-institucionais (carestia de alimentos, por exemplo) e que redunda em depredação e em violência interpessoal não tem a mesma dimensão sociológica e política de uma “Multidão” que planejou e agendou alvos e demandas específicos relacionados a reformas políticas, jurídicas e orçamentárias, cujo ponto de partida foi o movimento pela redução dos preços de passagens. No entanto, uma vez que se configura socialmente, mesmo esta última forma de “Multidão” como agente social coletivo não está livre de ser assolada por gatilhos imprevistos que escapam à agenda principal da manifestação.

Em todo caso, mesmo sendo fenômenos menores, isolados e somente superdimensionados pela imprensa, qualquer gatilho (planejado ou não) de revolta nas manifestações de junho são ricos de significado sociocultural e político. Daí, chamar os gatilhos imprevistos de “vandalismo sem razão” diz muito pouco deles, pois não aponta para questões estruturais, que vão da má educação escolar (precariedade no acesso a recursos materiais e imateriais) à já habitual descrença nas instituições públicas e na idoneidade e representatividade dos partidos políticos. Nesse sentido, o alvo ou crime de ódio contra pessoas individuais e morais nunca é gratuito: está relacionado a alguma performance social violenta de valores, crenças e descrenças. Ora, isso é outro ponto de partida desafiador e importante para se evitar simplificações sobre os eventos que temos testemunhado.

À luz do que observamos do método e abordagem de Rudé, podemos chegar a análises mais afinadas com nossa realidade cultural e sociológica: as multidões de junho não são “massas monolíticas”, mas uma configuração social formada por indivíduos das mais diferentes orientações, expectativas, experiências, faixas etárias, geração e recursos materiais e imateriais. As multidões de junho não são vestígios de um passado representado num arquivo policial, mas, em breve, tornar-se-ão vestígios nos arquivos da imprensa, nos arquivos policiais e nos textos e imagens das voláteis redes sociais do ciberespaço. Neste ponto, temos somente uma pequenina vantagem na observação histórica deste fenômeno se comparada à observação de Rudé dos atores coletivos do final do século XVIII: ainda podemos experimentar, como observadores participantes, as múltiplas perspectivas sobre um evento que, com o tempo, será apenas vestígios.

No entanto, como demonstram as postagens apressadas e sumárias do webjornalismo, o fato de sermos testemunhas oculares via imprensa, ou parte da multidão em ação, não nos livra do risco de perspectivas e valores individuais e grupais simplificadores na forma de conceber significado para as agendas planejadas e os gatilhos imprevistos das multidões como agentes sociais. Daí, devemos evitar a simplificação no uso da categoria “Multidão” e estar cientes de que, seja clicando em links de notícias, compartilhando-as em redes sociais ou atuando nas manifestações diretamente nas ruas, todos estamos lidando com – e construindo – vestígios visuais e narrativos sobre as manifestações de junho.

A agenda inicial das manifestações de junho não nasceu de partidos políticos, mas do apartidário (mas não antipartidário) e anarquista Movimento Passe Livre (MPL), que tem uma natureza agregativa mais dinâmica de novas agendas para ações reivindicatórias coletivas, o que não deve ser confundido com falta de foco ou oportunismo político. Por isso, o ponto de partida (redução de preço nas passagens do transporte coletivo de massa) que configurou socialmente as suas negociações sociais coletivas por direito não será necessariamente o ponto de chegada de todas as mobilizações. Algumas reportagens, equivocadamente, ironizaram as múltiplas bandeiras das manifestações de junho, o que somente demonstra a ignorância das dinâmicas coletivas de manifestações sociais que não nascem de partidos políticos, mas que podem agregar seus simpatizantes e pontos de agenda.

Enfim, as manifestações de junho são configurações sociais, não uma justaposição de indivíduos a formar uma massa monolítica ou maniqueísta de questões e problemas. A sua energia social configurativa possibilita que os indivíduos tenham comportamentos, ações, escolhas e visões de si (em uma palavra, ethos) que não necessariamente teriam em outros tipos de configurações sociais, mas a sua energia social também pode sofrer apropriações pragmáticas imprevistas e escusas de indivíduos e grupos. Nesse sentido, as manifestações de junho estão implicadas com performances de negociação social que lhes são histórica e sociologicamente específicas. O meu contexto de escrita não é o mesmo de Rudé. Então, devemos abordar as suas performances de negociação social coletiva por direitos na devida complexidade de suas situações focais de ação, evitando chavões estereotípicos, sentenças jornalísticas simplificadoras e a subestimação da inteligência do leitor ou do ator social que fez parte delas para conquistar direitos e não para cometer crimes. Eu fui um deles.


vianna* ALEXANDER MARTINS VIANNA é Mestre e Doutor em História Social pelo PPGHIS-UFRJ. Professor de História Moderna do DHIST/UFRRJ.

9 comentários sobre “Georges Rudé, as multidões de junho no Brasil e as simplificações jornalísticas a seu respeito

  1. FALOU E DISSE…: O “ESTADO DE ROBOCOP” NO RIO DE JANEIRO E O USO DO HORÁRIO NOBRE PELA REDE GLOBO ENTRE 22 E 24 DE JULHO DE 2013.

    Em 22 de julho de 2013, no Rio de Janeiro, durante as manifestações pelo respeito ao Estado Laico e contra os gastos públicos (estimados em U$ 53 milhões) com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), contra o governador Sérgio Cabral e contra o retrocesso moral e jurídico nas relações de gênero e no direito de a Mulher decidir sobre o seu corpo, a ‘legalidade’ de nosso Estado agiu da seguinte forma:

    (1) Prendeu dois integrantes da Mídia Ninja, sob a acusação infundada de incitar a violência (http://www.youtube.com/watch?v=k1wQHxFTEZM).

    (2) Usou munição letal contra manifestantes (http://www.youtube.com/watch?v=JN8Cxitcgzc; https://www.facebook.com/photo.php?v=621517634547897&set=vb.100000689987884&type=2&theater).

    (3) Negou, na prática, a possibilidade de haver democracia participativa ao criminalizar, preventivamente, os protestos por meio do Decreto n. 44302, publicado no DOE em 22-07-2013 (http://legisweb.com.br/legisweb_novo/legislacao/?id=256720).

    (4) Feriu, por meio de ação da PM, o fotógrafo Yasuyoshi Chiba, da Agência France-Presse (http://noticias.terra.com.br/mundo/europa/renuncia-do-papa/,dd90c494f7200410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html).

    (5) Tirou de funcionamento o sistema do Instituto Médico Legal (IML) para não haver registros dos laudos de tiros letais (e não-letais, acima da cintura) dos policiais da PM e do Batalhão de Choque nos hospitais Souza Aguiar e Gafrée Guinle.

    (6) Usou a polícia infiltrada, trajada de encapuzados, para jogar coquetel molotov (http://www.youtube.com/watch?v=zBZnMSsBTY4) e, assim, provocar a reação defensiva dos manifestantes trajados como Black Blocs. Logo em seguida, começou as já conhecidas razias contra manifestantes desarmados, desde o Palácio Guanabara até o Largo do Machado.

    (7) Acusou Bruno Ferreira de ter sido o autor do lançamento dos coquetéis molotov que feriram dois policiais, criando provas falsas contra o mesmo – uma mochila com várias garrafas de coquetel molotov.

    Tudo isso se tornou tanto mais escandaloso depois que saiu, em 24 de julho de 2013, no New York Time, uma grande nota juntando os vários vídeos de internautas e órgãos de imprensa alternativa e, assim, demonstrando a participação dos policiais no vandalismo do Estado, o que obrigou, por aqui, a imprensa ‘global’ a ter de abordar o assunto e assumir que não apurou a notícia sobre o ‘vandalismo dos manifestantes’, já que sempre tem um discurso pronto sobre o mesmo. A grande nota crítica do New York Time saiu no seu blog Lede (http://thelede.blogs.nytimes.com/2013/07/24/video-of-clashes-in-brazil-appears-to-show-police-infiltrators-among-the-protesters/?_r=0). Nele foram comparadas as versões de vídeo sobre as manifestações no Palácio Guanabara (RJ), em 22 de julho de 2013. Assim, chegou-se à mesma conclusão que eu: policiais infiltrados (P2) encapuzados foram os responsáveis pelo lançamento do coquetel molotov que queimou dois policiais e que serviu de pretexto para mais uma ação truculenta da PM contra manifestantes desarmados.

    No blog Lede, o quinto vídeo é um verdadeiro escândalo contra a PM e o governo de Sérgio Cabral, pois os policiais infiltrados aparecem se identificando para seus pares, enquanto o sétimo vídeo demonstra os policiais tentando transformar Bruno Ferreira em bode expiatório, para veicular que a agressão com coquetel molotov partiu dos manifestantes. Um policial, cinicamente, grita para a imprensa que Bruno jogou o primeiro coquetel molotov. Bruno não estava portando a mochila da qual foi acusado de carregar com coquetéis molotov. Entre 23 e 24 de julho de 2013, foi postado um vídeo, editado (https://www.facebook.com/photo.php?), que retoma a sequência dos eventos, por meio de vários vídeos postados, para demonstrar a ação da polícia de acusar falsamente Bruno Ferreira de ter sido o autor do ataque com coquetel molotov. Tal como este vídeo, o Blog Lede do New York Time também enfatiza que Bruno Ferreira não se vestia da mesma forma que os policiais infiltrados que jogaram os coquetéis molotov.

    Frente a tudo isso, a imprensa ‘global’ não pôde fazer outra coisa senão ter de mostrar no horário nobre, em 24 de julho de 2013, sem a mesma força crítica dos detalhes dos vídeos mencionados acima, o tremendo equívoco em sua forma seletiva de apresentar as manifestações sempre desfavoráveis aos manifestantes quando ocorre o que definem como ‘vandalismo’. Por isso, considero importante deixar aqui todos os registros, pois a ‘mea culpa’ da Rede Globo, em 24 de julho de 2013, foi muito insuficiente, da mesma forma que a tentativa patética do governador Sérgio Cabral em se posicionar como defensor da constitucionalidade, em sua irrisória ‘mea culpa’, em vídeo oficial (http://www.youtube.com/watch?v=y2j9gDTZu4A&sns=fb). No mesmo dia da nota crítica no Lede, o governador Sérgio Cabral revogou o Decreto 44302.

    Se, conforme o vídeo oficial do governador, jamais o seu governo vai desrespeitar a justiça e os direitos constitucionais, podemos nos indagar: O decreto foi feito sem consulta jurídica de constitucionalidade e, por isso, precisou ser revogado? Se eu vivesse no mundo da maravilha e acreditasse na sinceridade do governador, chegaria à conclusão de haver uma imensa incompetência jurídica em seu governo, pois recorrentemente tem assassinado nossos direitos constitucionais, gerando uma crise gravíssima de representatividade. Então, ele deve se decidir: Ou é um completo cínico mafioso ou é um completo ignorante de preceitos constitucionais? Em tudo que temos observado, imperou a força discursiva das redes sociais, obrigando o governador e a Rede Globo a ensaiarem uma irrisória e indireta ‘mea culpa’. Ainda em 24 de julho de 2013, completando esta força discursiva alternativa contra os monopólios dos meios de comunicação e a sua forma de abordar os protestos no Rio de Janeiro, o Núcleo de Ação dos Advogados Ativistas apresentou o primeiro vídeo-denúncia da série ‘O que é isso, Cabral?’ (http://www.youtube.com/watch?v=mIY4hyqJi34).

    Ao observarmos os eventos de 22 de julho no Rio de Janeiro, o lamentável em tudo foi a tentativa teatral de o policial criar flagrante contra Bruno Ferreira porque estava usando um colete improvisado de alumínio para proteger o peito contra os tiros de bala de borracha (e, como já sabemos, também com munição letal), que a PM insiste em desferir a menos de 20 metros e acima da cintura, ou seja, o rapaz foi incriminado, preso e levado para o Presídio de Bangu sem efetivo flagrante e sem julgamento, perante a imprensa, somente por exercitar o direito de autodefesa porque não é possível esperar que a PM cumpra normas internacionais de conduta em ações de protesto. Vale lembrar que, em várias outras manifestações de junho e julho de 2013, a polícia tentou incriminar manifestantes por portarem vinagre – ou seja, um recurso defensivo claramente não letal contra a agressão policial com gás lacrimogêneo. Tudo isso aconteceu com Bruno e outros manifestantes no mesmo dia, 22 de julho de 2013, em que o Decreto 44302 fora publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) e, agora, felizmente, revogado.

    Pensem e pesem que a violência policial contra as manifestações de 22 de julho no Rio de Janeiro aconteceu em plena Zona Sul, com várias pessoas com câmeras ligadas. Imaginem tal violência e ‘governo do medo’ multiplicados várias vezes, em sua verocidade letal, nas favelas e demais periferias do Estado. A PM, esta herança mal instruída e mal remunerada da Ditadura Militar, deve acabar. Para contrabalançar tanto horror, só mesmo dois atos, a meu ver, sublimes, que pude testemunhar das manifestações de 22 de julho de 2013:

    (1) Manifestantes de diferentes bandeiras, novamente concentrados em frente à Igreja do Largo do Machado por volta de 20h30, depois da violência da PM e do Batalhão de Choque em frente ao Palácio Guanabara, lançaram os seus gritos altos e ressoantes de “Cadê o Amarildo?!”. Para os familiares de Amarildo, isso deve ter servido de algum alento dignificante.

    (2) Manifestantes de diferentes bandeiras que, por volta de 21h30, saíram da concentração em frente à escadaria da Igreja do Largo do Machado, e marcharam até a 9ª. DP, no Catete, para se concentrarem em frente à delegacia e exigirem a liberação, com auxílio da OAB, dos repórteres da Mídia Ninja. No começo, quando ainda estávamos no Largo do Machado, as palavras de ordem pareciam se perder no espaço, mas, quando entramos na rua, em direção à delegacia, o corredor de prédios assegurou um eco maravilhoso e mágico para as palavras de ordem, entre as quais, “Libera a Mídia Ninja”.

    Algumas lojas (restaurantes e farmácias), já assustadas pelo modo como as manifestações têm sido veiculadas pela imprensa ‘global’, fecharam as suas portas às pressas, o que motivou os gritos coletivos de “Não tenha medo!”. Em contraste com a reação amedrontada dos lojistas ao chão, algumas luzes nos prédios piscavam em solidariedade à nossa passagem. Embora eu não tenha ficado até o final, fiquei feliz em saber que os dois corajosos repórteres da Mídia Ninja foram liberados durante a madrugada.

    Obviamente, vocês não esperavam que isso fosse noticiado pela imprensa ‘global’ em 22 de julho de 2013, que preferiu gastar muito tempo do horário nobre para figurar o Papa Francisco como caridoso crítico da desigualdade social no mundo e como ‘estadista’ de um “estado multinacional” (Vaticano ou Cristandade?). A imprensa ‘global’ realmente se supera em sua promoção estratégica da ignorância, ou em suas sobreposições de conceitos como Estado do Vaticano e Cristandade. Afinal, se o papa é ‘estadista’, os gastos com sua visita parecem ser ‘justificados’, não é mesmo?… Esta foi a estratégia de assepsia da Rede Globo na figuração da visita do Papa, mas qual vai ser a criatividade midiática para justificar os gastos com a JMJ?… Prefiro os Ninjas.

    INFORMAÇÕES JURÍDICAS IMPORTANTES DA EQUIPE ADVOGADOS ATIVISTAS, que avaliou o vídeo da prisão arbitrária dos dois membros da Mídia Ninja em 22-07-2013.

    Em um primeiro momento, o policial pede para que o acompanhe até a delegacia, pois existem indícios de que ele estaria “incitando o movimento”. Que fique claro, como já postamos diversas vezes na página dos Advogados Ativistas, não existe prisão para averiguação. Uma pessoa só pode ser presa em flagrante ou com ordem judicial. Essa história de “me acompanhe até a delegacia” é um resquício de costumes militares implantados durante a ditadura.
    Na sequência, o membro do Mídia Ninja diz que o policial o estava prendendo. O policial responde que não foi isso que ele disse, e ameaça prendê-los por calúnia. Gostaríamos de esclarecer que calunia (artigo 138 do Código Penal) significa imputar falsamente fato definido como crime, dizer, por exemplo, “O Tenente Puga roubou a minha carteira”. Por outro lado, dizer “esse policial quer me prender” não configurou calúnia. O crime de calunia necessita de dolo, ou seja, a intenção de caluniar, o que visivelmente não ocorreu.
    O debate continua, e o Tenente Puga diz o seguinte: “se eu entender mais uma vez que você esta sendo mal educado com funcionário público em serviço, eu posso conduzi-lo por desacato”. Não, você não pode, Tenente Puga. A simples falta de educação não caracteriza desacato. Para haver o desacato é preciso o menosprezo: “seu vagabundo”, “seu mentiroso”, por exemplo. Ademais, um policial não pode ameaçar alguém de prisão em flagrante, ou realiza a prisão ou não realiza, simples assim.

    Instantes depois, o policial é chamado por um colega, conversam entre si e, no telefone, ao voltar o Tenente Puga, anuncia a prisão com os dizeres: “agora é uma ordem”. Entendemos que essa suposta “ordem” deveria estar acompanhada de um mandado de prisão, ou seja, uma ordem escrita de um juiz, basicamente com o nome do acusado e a classificação do crime que motivou a sua prisão. Não foi o que ocorreu. Portanto, houve abuso de autoridade. A Lei n. 4898, de 9 de dezembro de 1965, Art. 4º Constitui abuso de autoridade: ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder.
    Mesmo assim, a prisão foi efetuada, o caos instaurado e ficou um pouco difícil entender o que ocorre na sequência dos fatos.

    (Advogados Ativistas: https://www.facebook.com/AdvogadosAtivistas)

  2. BRASIL EM PROTESTO. Ensaio pro-anarquismo, para o Blog da REA, do prof. Nildo Avelino (UFPB), que tira conclusões distintas sobre o tema da democracia, se comparado com o ensaio, de 1979, do prof. Carlos Nelson Coutinho: “…As manifestações retomaram um sentido político desde muito tempo banido do cenário político brasileiro: o anarquismo. É preciso ser tolo ou mal intencionado para não admitir que o modus operandi acionado nas manifestações possua forte analogia com aquele utilizado historicamente pelos movimentos anarquistas. O próprio MPL, grupo responsável pela convocação das manifestações, é uma organização horizontal e apartidária; adota o princípio da rotatividade para evitar a cristalização de estruturas de poder, e pratica a autogestão de seus trabalhos internos. Além disso, o que é mais importante, não possui chefe, nem líder, nem porta-vozes. O MPL rejeita, portanto, o princípio da representação política e, consequentemente, recusa o jogo da democracia liberal que, ao contrário do que se pensa, não foi nem é a única modalidade de democracia possível na história. Agrade ou não, é um fato que na história das sociedades modernas foi precisamente essa postura política a adotada pelo movimento anarquista, em âmbito internacional, desde o século XIX… Um sentimento que atravessou as manifestações no Brasil foi a forte aversão às instituições de maneira geral. Não somente partidos políticos, mas também sindicatos e grupos da esquerda com forte grau de institucionalização… Nas revoltas de junho, o alvo foram as instituições. As instituições são responsáveis por conectar os indivíduos à lógica do poder: tomado no interior de uma instituição, o indivíduo deve se dobrar às regras da sua organização, sendo dominado por suas finalidades…e decisões…tomadas em conformidade com a ordem do Estado. As instituições, portanto, articulam a existência do indivíduo com a ordem do poder. Atacar as instituições é colocar em questão o próprio regime de legalidades… Neste aspecto, as revoltas brasileiras de junho parecem estabelecer maior grau de exterioridade em relação ao Estado… Na história das lutas sociais brasileiras existe um acontecimento que poderia servir como referência para inteligibilidade: as “jornadas de julho” de 1917 em São Paulo. Esta greve geral anarquista mobilizou 100.000 na capital paulista, foi provocada pelo custo de vida e agravada pela violência policial e a estupidez governamental. A palavra de ordem dos grevistas era parar a cidade; a do governo era reprimir. Contra a truculência da polícia e do governo, os operários ergueram barricadas, destruíram fábricas, saquearam armazéns, depredaram a iluminação pública, apedrejaram bondes. O governo tentou sem êxito atribuir a violência dos grevistas a uma minoria de anarquistas… A revolta da multidão não era impulsionada por nenhuma grande utopia, mas pelo sentimento do intolerável, que resultava da miséria econômica combinada com o autoritarismo governamental… O mesmo pode ser observado nas revoltas de junho: de simples ato de protesto contra o aumento do transporte público, a brutalidade e a estupidez governamental logo se transformaram no intolerável, o que suspendeu…a legitimidade da ordem das leis… É preciso rejeitar o moralismo liberal e admitir que não apenas a democracia como também a própria letra da lei não passam de formas objetivadas da dominação política, e que a única violência que o assim chamado Estado de direito não suporta é a que funda um sentido oposto à sua dominação…; engana-se quem vê liberdade de expressão sob a bandeira de partidos políticos, que são soldados obedecendo palavras de ordem. Partidos e instituições ou são estruturas oligárquicas ou deverão tornar-se para se instalarem no poder. Não há exemplo na história que diga o contrário… E não existe tolice maior supor, como fez o presidente do PT de SP, que a negação dos partidos leve a manifestações autoritárias. Nenhum dos Estados totalitários conhecidos na história foi apartidário… Como será possível defender as energias liberadoras que foram desencadeadas pelas grandes manifestações do mês de junho? Como garantir que essas energias escapem aos processos de sedentarização e de imobilismo de partidos, sindicatos, instituições e do Estado?… Deverão continuar sendo como os “seres imprevisíveis” de que fala Nietzsche…, com lutas pontuais sem incorrer em estruturas oligárquicas e burocráticas dos partidos e das instituições do Estado,… nomadizando os espaços…[para]…transformar o movimento em intensidade…” (https://espacoacademico.wordpress.com/2013/07/17/as-revoltas-de-junho-no-brasil-e-o-anarquismo/)

  3. Muito boa análise. As manifestações representam um grito de descontentamento, sofrimento engendrado por um modelo econômico, político, que revela as antíteses entre os objetivos do Estado (elite) e do povo, que data venha são diferentes. O medo impõe limites nas ações de nossos dirigentes e os faz canalizar os poderes do Estado em direção a população, mesmo que seja momentaneamente, até voltar ao enlace com a elite. Metaforicamente, o povo não dorme, ele finge estar dormindo, e se dorme, ele tem seu vigias, observando os passos dos larápios, carniceiros do dinheiro público.

  4. Caro Jonas Jorge, obrigado pela leitura.

    Caro Francisco Alencar, creio que vc fez uma leitura muito literal de um apelo retórico de uma pessoa consternada (eu) que quer reformas políticas. Vc comentou o comentário. Vc leu o ensaio? Abs e tudo de bom.

  5. E OS EXCLUIDOS PROFESSOR!?
    Citamos: “Se cada pessoa repassar esta mensagem para um mínimo de vinte pessoas, em três dias, a maioria das pessoas no Brasil receberá esta mensagem.”

    CUENTOS DE NUESTRA AMÉRICA
    LA “ESCUELA DE TODAS LAS COSAS”
    DE DISCÉPOLO
    Francisco de Alencar
    PAULO Y JUAN
    Paulo había cumplido sus 18 años, “en flor”, si así se puede decir, en el hablar de sus familiares. Juan con sus 21 era considerado de mayor edad y por lo tanto dueño de su destino. Los amigos del barrio proletario “La Cruz de Cristo” formaban un grupo de jóvenes de, más o menos, la misma edad. Pocos conociéron las clases escolares y más y más se adentraron en la “escuela de la vida” donde “la necesidad obliga”, conforme pregonaba el viejo Don Manuel, abuelo de Juan y figura principal de aquellas barriadas pobres de la “Ciudad Esperanza”. Saliéron a la nochecita a dar unas vueltas y aventurar obtener algunos “negocios”, o sea, celulares, notebooks, algún dinero y, quién sabe, algo más… Afinal ya conocían las rutinas callejeras de los que vivían en el Barrio Alto “Divina Providencia”. “Tabajar bién y nada de violencia sin necesidad”, era la norma. De inesperado, suena la sirena, llegan los “vanguarderos”, la calle se achica, hay que dispersar y huir lo más rápido. Juan se vuelve y acciona el 38… todo para el es ahora una repentina e impenetrable oscuridad y silencio. Paulo siente algo penetrante adentrarse en fuego a su pecho y sus fuerzas se desmayan hasta el final… Los otros, quién sabe, por donde se fueron y donde están. Don Manuel se acerca de la pequeña multitud en la esquina “Las Flores Muertas”. Juan y Paulo están juntos, lado a lado, son como dos pálidos muñecos dormidos en el asfalto negro plateado por la llovizna suave que caía sobre el caserío de la favela proletaria. Emoldurados de sangre rubra aguardan conducción hacia la Morgue “Playa Hermosa”. Don Manuel vuelve lentamente sobre sus pasos y recuerda los dos “pibes” en su niñez de pobreza y abandono. La “escuela de la vida y de la necesidad” ha terminado su misión. Don Manuel encomienda a Diós la felicidad eterna para Paulo y Juan. “Los dos eran muchachos muy buenos”, murmura en su voz de pena el viejo abuelo del barrio “La Cruz de Cristo”. Ha bajado el Telón. Final del Acto. En vez de aplausos, lágrimas.
    Fortaleza Brasil
    Septiembre
    04 09 2009
    Cafetín de Buenos Aires
    1948
    Mariano Mores
    Enrique Santos Discepolo
    De chiquilín te miraba de afuera
    como a esas cosas que nunca se alcanzan…
    La ñata contra el vidrio,
    en un azul de frío,
    que sólo fue después viviendo
    igual al mío…
    Como una escuela de todas las cosas,
    ya de muchacho me diste entre asombros:
    el cigarrillo,
    la fe en mis sueños
    y una esperanza de amor.
    Cómo olvidarte en esta queja,
    cafetín de Buenos Aires,
    si sos lo único en la vida
    que se pareció a mi vieja…
    En tu mezcla milagrosa
    de sabihondos y suicidas,
    yo aprendí filosofía… dados… timba…
    y la poesía cruel
    de no pensar más en mí.
    Me diste en oro un puñado de amigos,
    que son los mismos que alientan mis horas:
    (José, el de la quimera…
    Marcial, que aún cree y espera…
    y el flaco Abel que se nos fue
    pero aún me guía….).
    Sobre tus mesas que nunca preguntan
    lloré una tarde el primer desengaño,
    nací a las penas,
    bebí mis años
    y me entregué sin luchar.
    FdA
    2009-11-20
    Fortaleza Ce
    Brasil
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    foras05t@terra.com.br

  6. Olá, Alexander!

    gostaria de parabenizá-lo pela análise. De fato, uma reflexão lúcida, aberta para novos desdobramentos e buscando centrar-se na perspectiva dos próprios agentes que tomaram conta das ruas neste mês de junho.

    Um abraço!

  7. Lei de Reforma do Congresso de 2013 (emenda à Constituição) PEC de iniciativa popular: Lei de Reforma do Congresso (proposta de emenda à Constituição Federal)
    1. Fica abolida qualquer sessão secreta e não pública para qualquer deliberação efetiva de qualquer uma das duas Casas do Congresso Nacional. Todas as suas sessões passam a ser abertas ao público e à imprensa escrita,
    radiofônica e televisiva.
    2. O congressista será assalariado somente durante o mandato. Não haverá ‘aposentadoria por tempo de parlamentar’, mas contará o prazo de mandato exercido para agregar ao seu tempo de serviço junto ao INSS
    referente à sua profissão civil.
    3. O Congresso (congressistas e funcionários) contribui para o INSS. Toda a contribuição (passada, presente e futura) para o fundo atual de aposentadoria do Congresso passará para o regime do INSS imediatamente. Os
    senhores Congressistas participarão dos benefícios dentro do regime do INSS exatamente como todos outros brasileiros. O fundo de aposentadoria não pode ser usado para qualquer outra finalidade.
    4. Os senhores congressistas e assessores devem pagar por seus planos de aposentadoria, assim como todos os brasileiros.
    5. Aos Congressistas fica vetado aumentar seus próprios salários e gratificações fora dos padrões do crescimento de salários da população em geral no mesmo período.

    6. O Congresso e seus agregados perdem seus atuais seguros de saúde pagos pelos contribuintes e passam a participar do mesmo sistema de saúde do povo brasileiro.

    7. O Congresso deve igualmente cumprir todas as leis que impõe ao povo brasileiro, sem qualquer imunidade que não aquela referente à total liberdade de expressão quando na tribuna do Congresso.
    8. Exercer um mandato no Congresso é uma honra, um privilégio e uma responsabilidade, não um uma carreira. Parlamentares não devem servir em mais de duas legislaturas consecutivas.

    Se cada pessoa repassar esta mensagem para um mínimo de vinte pessoas, em três dias, a maioria das pessoas no Brasil receberá esta mensagem.

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