Facebook: como lucrar com uma máquina de espionagem

RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE*

Na última semana, o Facebook oficializou sua intenção de ir a público ao entregar à Comissão de Valores Imobiliários (Securities and Exchange Commission) dos Estados Unidos seu pedido para oferta pública inicial. De acordo com texto publicado pela NewScientist, a expectativa é que a empresa de Mark Zuckerberg fature, a curto prazo, a bagatela de US$ 5 bilhões. No entanto, calcula-se que quando o processo tiver sido concluído o Facebook valha até US$ 100 bilhões (R$ 172 bilhões).

Junto ao pedido também foi enviado um documento (disponível aqui), o qual me chamou a atenção por divulgar algumas das marcas alcançadas pela rede social nos últimos anos, a saber: o Facebook possuía até dezembro do ano passado 845 milhões de usuários, sendo que 483 milhões, isto é, mais da metade, o acessavam todos os dias, gerando, com isso, 2,7 bilhões de“likes” e comentários – provavelmente sobre as cerca de 250 milhões de fotos que, diariamente, são enviadas ao site de relacionamento.

Segundo o jornalista Jacob Aron, tais números (e outros também) fizeram com que o Facebook tivesse lucro de US$ 1 bilhão em 2011 e uma receita de US$ 3,7 bilhões, tornando-se, assim, mais rentável que o Google quando, em 2004, foi a público com sua oferta pública inicial (Initial Public Offering). Agora, mais importante do que discutir o futuro da rede social é discutir o que faz do Facebook algo tão valioso e rentável a ponto de permitir que seu fundador receba um salário de quase US$ 500 mil, como atesta texto publicado esta semana pelo Observatório da Imprensa.

Em entrevista ao Russia Today em maio de 2011, o fundador do Wikileaks, Julian Assange, já afirmava ser o Facebook a “mais espantosa máquina de espionagem já inventada”. Isso porque, para Assange, as redes sociais são capazes de fornecer aos serviços de inteligência estadunidenses amplas bases de dados sobre os cidadãos que delas fazem uso, o que inclui suas relações, nomes de seus contatos, seus endereços etc. Os protestos que assolaram as ruas da Inglaterra, principalmente as do bairro de Tottenham, no ano passado ilustram bem tal afirmação, visto que a polícia local (Scotland Yard) utilizou-se de páginas como as do Twitter, Facebook e Youtube para localizar possíveis “perturbadores da ordem pública” (o vídeo com a entrevista de Assange encontra-se disponível aqui).

Para além da Teoria da Conspiração, contudo, o fato é que o negócio do Facebook é a venda de espaços publicitários. Para se ter uma idéia, de acordo com Lori Andrews, em texto publicado pelo jornal The New York Times, apenas em 2011, o site de relacionamento arrecadou US$ 3,2 bilhões com anúncios publicitários, ou seja, 85% de sua receita total. O curioso, porém, é que cada anúncio postado pelo Facebook é direcionado aos usuários de acordo as informações que os próprios fornecem ao site.

Em outras palavras, significa dizer que, ao mudar seu status de relacionamento, compartilhar um link de um filme ou de uma peça teatral, comentar a foto de um amigo ou “curtir” um comentário qualquer, você está fornecendo ao Facebook informações que definem seus gostos e preferências. A partir daí, afirma Andrews, “os anunciantes escolhem palavras-chave ou detalhes – como o status de relações, a localidade, as atividades, os livros preferidos e o emprego – e o Facebook publica os anúncios, dirigindo-os ao subconjunto de seus milhares de usuários”.

Logo, quem utiliza as redes sociais, além de trabalhar de graça para as agências de inteligência dos Estados Unidos, como podemos concluir com base nas declarações de Assange, está contribuindo para que seu tempo e trabalho, gastos lendo, publicando, comentando e compartilhando conteúdos, se materializem no valor de mercado da empresa, no caso o Facebook. De acordo com Rafael Evangelista, doutor em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), essa é uma característica de um fenômeno chamado Web 2.0. Afinal, indaga o pesquisador, será que interagir e colaborar em espaços proprietários não significa trabalhar sem ser pago?

Segundo Evangelista, o termo Web 2.0 engloba o que seria a segunda geração da internet, a qual possui uma gama de serviços que promovem as comunidades virtuais, a interatividade e o conteúdo construído pelo grande público. Entretanto, a questão apresentada pelo pesquisador é que esses sites, construídos coletivamente, ganharam um alto valor de mercado e hoje são objeto de negociação em bolsas de valores.

O Facebook é constituído, majoritariamente, pelo compartilhamento de informações. Esse é seu único e principal atrativo. O problema nesse caso é que a rede social não detém os direitos autorais acerca desses conteúdos, os quais, na maioria dos casos, resumem-se a imagens, vídeos e links externos. Estes, por sua vez, são lidos, debatidos e, novamente, compartilhados por todos no site. Mesmo os fóruns de discussões são construídos a partir das reflexões dos usuários. Impossível, assim, não relacionar tal fenômeno ao conceito de mais-valia, adaptado, aqui, por Evangelista para Mais-Valia 2.0.

Desenvolvida por Karl Marx, o conceito de mais-valia, grosso modo, representa a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador. Trata-se do excedente produzido pelo trabalhador referente ao necessário para que ele mantenha seus meios de subsistência.

Pois ao possibilitar que seus usuários compartilhem conteúdos produzidos por terceiros, obtendo de quebra informações valiosas sobre seus gostos – os quais possibilitam ao site mapear seus interesses e, com isso, criar mecanismos, ancorados em banco de dados, que permitem aperfeiçoar o direcionamento das mensagens publicitárias, fazendo com que o site arrecade valores com anúncios publicitários superiores aos divulgados –, o Facebook está gerando lucro tendo como matéria-prima o tempo e o talento intelectual de seus usuários, afirma Evangelista. Neste contexto, a Mais-Valia 2.0 configura-se, portanto, a partir da não divisão dos lucros do Facebook com seus reais funcionários.

O acesso gratuito à rede social, condição que por vezes acaba por atrair mais usuários, pode ser considerada, pois, uma ilusão, visto que quem usa o Facebook não tem acesso 100% livre ao site, no sentido de poder acessar seus códigos e até mesmo modificá-lo, característica esta corriqueira no dia-a-dia de usuários de softwares livres. Pelo contrário, a maioria das modificações feitas por Zuckerberg até hoje foram impostas, algumas delas, inclusive, esbarram em questões delicadas, tais como até que ponto a privacidade dos usuários pode ser violada pela rede social. O acesso gratuito ao Facebook poderia ser comparado, então, ao valor da força de trabalho, isto é, ao valor dos meios de subsistência indispensáveis à reprodução da classe trabalhadora – leia-se aqui usuários. Essa seria a única compensação aos milhares de usuários do Facebook por alimentarem, diariamente, o site.

Em suma, tudo indica, no entanto, que Mark Zuckerberg se tornará a nona pessoa mais rica do mundo ainda este ano.

9 comentários sobre “Facebook: como lucrar com uma máquina de espionagem

  1. UMA OPINIÃO BEM PESSOAL. Muito interessante o artigo, mas… E daí? Alguma coisa como o facebook permanece de pé porque existe ideologia pra isso, ao ponto de alguns deslumbrados se referirem ao dono da empresa como “mestre”, “gênio”, essas idiotices. E não penso que a ampla maioria dê alguma importância às considerações feitas pelo Oliveira, já que o que se quer, quase sempre, é simplesmente aparecer. E se nós, usuários de softwares livres, estamos contra, cabe a nós criar coisas diferentes no âmbito das redes sociais, caso isso tenha mesmo alguma relevância. Nós criticamos o capitalismo e temos de criticar o capitalismo, mas me parece que isto convence bem pouco nos nossos dias. Seja como for, parece-me que existe um terreno de cultura livre real, do Crative Commons, da GNU, dos materiais realmente interessantes ou úteis compartilhados segundo a cultura livre, muito superior aos facebook e sua tão enjoativa estética.

  2. Obrigado Rodrigo. Pena que a grande maioria não consiga entender a mais valia; por terem introjetado nas suas mentes o desejo burgues de ser, mesmo não sendo e não tendo possibilidade de ser. Meu velho pai, um operário sindicalista sempre disse que “se boi soubesse a força que tem, não puxaria carro, nem rodava moinhos”.

  3. Caro Rodrigo

    As informações que nos traz são muito interessantes e sem dúvidas esclarece a muita gente que ainda se perguntava como é que o Facebook pode valer uma fortuna e render uma fortuna se não cobra nada dos usuários.
    Os mesmos que se perguntam isso naturalmente já entendem que na TV aberta é a propaganda que paga as contas. O que a web 2.0 traz de inovador é o fato de aproveitar a co-produção dos usuários para a utilização na propaganda.
    A distinção mais óbvia entre um mecanismo e outro para a publicidade é a precisão da propaganda, que no face se torna enormemente focada no que o próprio usuário aparenta gostar e se utiliza da influência da rede de amigos para ‘endossar’ o consumo de determinado produto.
    Ok… é o capitalismo agindo em peso por ali, mas como já disse um colega anteriormente, no Face voce tem uma margem de escolha sobre ver ou não uma propaganda (algo que na TV, rádio, revistas e jornais é mais impositivo).
    Então a meu ver o Face tem seu lado vilão, porque explora seus usuários como mercado (não vejo mais-valia nisso, uma vez que produzo informações por prazer e não obrigação, de modo que usar o Face não é um trabalho para mim, embore o que faço gere lucro a outrém), mas tem um outro âmbito que deve ser considerado, se pensarmos no grande revéz que os grandes estúdios deram sobre a pirataria de filmes e músicas. Perceba que ali a questão do direito autoral (e leia-se bem: o lucro) dessas empresas foi estopim para a quebra de um dos maiores motivos de compartilhamento na rede.
    Isso tudo porque esta indústria audiovisual não pensa o mercado como Zuckerberg, pois se pensasse hoje teríamos no mundo inteiro uma difusão enorme do cinema e da música mundial sem que isso custassem mais aos usuários do que algumas propagandinhas direcionadas a seu gosto musical ou genero cinematografico. Neste sentido bato palmas para Zuckerberg e lamento pela estupidez dos grandes estúdios que resolvem seus problemas financeiros estancando a difusão da informação e do entretenimento.

  4. Karl Marx era lunático e seu conceito de mais valia um delírio.
    É uma pena que ele tenha feito escola.

    Ninguém é obrigado a entrar no facebook ou comprar determinado produto.
    Marx se esquece do custo ao se realizar um empreendimento ou processo produtivo.
    E da criatividade de um empreendedor.
    Se esquece que o mercado é determinado por desejos de pessoas e não é um consumo padrão, por isso as empresas precisam investir em inovação e qualidade para atrair mais clientes.
    Se há consumo é evidente que há demanda, agora querer dizer que empreendimentos e processos produtivos são concentração de renda por determinados grupos é muita loucura.
    Cada cargo tem suas responsabilidades e pesos decisivos, por isso o criador do empreendimento obviamente recebe um salário maior que seus funcionários, isso é evidente.
    É mais fácil ser faxineiro ou um Mark Zuckerberg?

    Não existe economia socialista, esse pessoal se esquece do exemplo de Russia, China, etc.
    Esses países para crescer após décadas de chacinas, campos de concentração e miséria tiverem que aderir ao capitalismo, porque não tem outro jeito.
    Mas, seus líderes políticos não são trouxas e nem santos, oprimem o povo com suas ditaduras e torram a grana que sugam do povo.

    http://www.vigilanciademocratica.org/index.php?/Artigos/Artigos-sobre-Economia/mises-contra-marx.html

    http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=909

    http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=100

  5. Esse conceito de “Mais-Valia 2.0” não é novo e inerente à toda imprensa que divulga publicidade. A imprensa livre sempre baseou seu negócio na vendas de jornais e reivstas e de anúncios. O preço de capa de cada exemplar quase sempre é insuficiente para amortizar os gastos para produzi-lo, sendo essenciais as receitas publicitárias para manter a empresa e dar lucro. Esssas receitas dependem da quantifdade de leitores e do valor destes como consumidores. O mesmo modelo foi adotado na exploração dos sistemas de rádio e televisão, zerando-se o “custo” de cada exemplar, sobrevivendo a empresa só de anúncios. Face à essa dependência publicitária, as Rádios e Tevês tiveram de mensurar e qualificar suas audiências com mais precisão, para elevar o valor das mesmas junto ao mercado publicitário. Tanto na imprensa escrita quanto nas Rádios e Tevês existe a apropriação da “Mais-Valia” do cliente, como quer Evangelista, que é a diferença entre o tempo empregado pelo leitor/espectador e o ganho publicitário advindo dessa audiência. Assim, vê-se que as redes sociais não inventaram nada, apenas levaram ao limite à especialização publicitária já procurada pela empresa escrita, pelas rádios e televisões. A exploração do consumidor é a mesma. Quem dedica uma hora vendo novela não se preocupa com o dinheiro que a Globo ganha com os anúncios entremeados à trama, como quem perde uma hora no Facebook não estrá interessado no dinheiro ganho pela empresa.

  6. Caro remo moreira
    Você ataca uma pessoa que tem grande poder intelectual, tem uma mente poderosa e jamais caminha na ingenuidade.
    Você provavelmente é um indivíduo marcado pela falta de conhecimento, uma vez que nada entende de relações trabalhistas, assim como esse jornalista rodrigo de oliveira que confunde relações sociais com relações trabalhistas.
    As pessoas que fazem sucesso no seu trabalho incomodam muita gente .

  7. A questão é menos rasteira do que a sua frágil e ingênua mente concebe, Abraão. Por mais que voce não goste, nao pode refutar os fatos relatados pelo brilhante e corajoso jornalista Rodrigo de Oliveira.

    Todo cidadão deve cultivar o espírito crítico, ao assimilar qualquer produção cultural à qual tem acesso, e procurar indentificar os interesses subjacentes à sua difusao.

    A ignorancia, a inocencia e a ingenuidade de muitos fazem a fama e a riqueza opressora e concentradora de poucos.

  8. INVEJA, é o termo para identificar a opinião do jornalista rodrigo de oliveira andrade, inveja de Mark Zuckerberg.
    Parabéns ao grande mestre Mark Zuckerberg pelo sucesso do Facebook.

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