A esquerda frente à derrota

pomarVALTER POMAR*

Uma análise completa das eleições municipais de 2016 só poderá ser feita após o segundo turno, que ocorrerá em 55 municípios, dentre os quais 18 capitais (ver lista completa no anexo 1). Entretanto, é sintomático que na maior parte destes 55 municípios a disputa se dê entre candidaturas de partidos que apoiaram e/ou cujas bancadas votaram majoritariamente no impeachment. É sintomático, porque, para além da dimensão municipal, estes números revelam qual o sentido nacional das eleições de 2016: a derrota da esquerda, em especial do PT; a vitória da direita, em especial do PSDB.

Em números globais, o PSDB foi de 14.074.121 de votos em 2012 para 17.612.606 de votos em 2016; ou seja, um crescimento de 25% que o posicionou como o partido mais votado nas eleições deste ano.

O PMDB governará em maior número de cidades, mas perde em número de eleitores. O PSD governará no mesmo número de cidades que o PSDB, mas também perde em número de eleitores.

Já o PT caiu de primeiro lugar em 2012 para quinto lugar em 2016: recebeu este ano 6.822.964 votos, 61% a menos do que em 2012, quando recebeu 17.448.801 de votos. E caiu de 3º para o 10º lugar em número de cidades governadas. O PT venceu o primeiro turno em 256 cidades e vai disputar o segundo turno em 7. No melhor dos casos, a partir de 1 de janeiro de 2017 governará 263 municípios. A série histórica é a seguinte: 1982, 2; 1985, 1; 1988, 38; 1992, 54; 1996, 116; 2000, 187; 2004, 409; 2008, 558; 2012, 635. Portanto, em número absoluto de cidades, o resultado obtido pelo PT em 2016 é menor do que o obtido em 2004.

Quando se considera o número de eleitores inscritos nas cidades onde o PT venceu as eleições, o retrocesso é maior. Das cidades onde o PT venceu no primeiro turno, 196 cidades têm menos de 10 mil habitantes; e 151 tem entre 10 e 50 mil habitantes. Outras 31 cidades têm entre 50 e 150 mil habitantes. E apenas 31 têm mais de 150 mil habitantes, número que pode crescer se o PT vencer algumas das cidades onde está no segundo turno. Estes resultados são inferiores aos de 2004.

Quando se faz uma análise por estado, constata-se que há um único estado onde o PT governará mais cidades do que hoje: o Piaui. A derrota foi particularmente dura em São Paulo e em três outros estados, estes governados pelo PT: Ceará, Minas Gerais e Bahia, com significativa redução no número de prefeituras e de mandatos de vereador. Os estados do Acre e do Piauí, também governados pelo PT, apresentam outro quadro, que exigiriam análise a parte.

A derrota do PT também ocorreu na eleição de vereadores. O Partido elegeu 2.808 vereadores em 2016. A série histórica é: 1982, 118; 1988, 900; 1992, 1.100; 1996, 1.885; 2000, 2.482; 2004, 3.678; 2008, 4.164; 2012, 5.166. Ou seja: em 2016 o PT elegeu menos vereadores do que em 2004.

Se considerarmos o número de pessoas que moram em cidades governadas por prefeitos/as petistas, a derrota vira desastre. Em 2016 o PT governava cidades onde residiam 37,9 milhões de pessoas. A partir de 1 de janeiro, governará cidades onde residem 6,1 milhões de pessoas (não considerando possíveis vitórias no segundo turno).

Os números apontados até agora são suficientes para sustentar a seguinte conclusão, que pode ser confirmada ou não em 2018: do ponto de vista institucional o PT está recuando para o tamanho que tinha nos anos 1990, quando fazia oposição aos governos neoliberais encabeçados por Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

A derrota eleitoral do PT em 2 de outubro de 2016 era absolutamente previsível. O partido venceu por muito pouco as eleições presidenciais de 2014. E o curto segundo mandato da presidenta Dilma foi caracterizado por uma política econômica que alienou parte do eleitorado que ainda apoiava as candidaturas petistas. Além disso, a operação Lava Jato, a campanha negativa cotidiana do oligopólio da mídia e as manifestações de massa convocadas por organizações de direita causaram um imenso dano na imagem partidária e ajudaram a criar o ambiente necessário para a aprovação do impeachment.

Foi neste ambiente que ocorreram as eleições municipais de 2016, ocasionando uma redução no número de candidaturas a prefeito e a vereador. Em 2012 o PT lançou 1.829 candidaturas a prefeito, em 2016 lançou 995. Em 2012 o PT lançou 40 mil candidaturas a vereança, em 2016 lançou 22 mil.

Em muitas cidades, o PT não dispunha de aliados com os quais pudesse fazer uma coligação eleitoral. Noutras cidades, o PT aceitou quaisquer aliados, inclusive legendas partidárias e candidaturas apoiadoras do impeachment. Em grande número de cidades, inclusive onde havia candidaturas a reeleição, a propaganda eleitoral petista escondia a estrela e o nome do Partido.

Embora principalmente, a derrota não foi só do PT. Foi também do conjunto da esquerda. O número de eleitores que no primeiro turno votou em partidos de esquerda foi menor hoje em termos relativos e em termos absolutos do que nas eleições anteriores.

O PCdoB reduziu seu eleitorado em 6%, de 1.882.526 para 1.767.051. O PSOL reduziu seu eleitorado em 13%, caindo de 2.400.892 para 2.097.623. O PSTU reduziu seu eleitorado em 56%, caindo de 178.607 para 77.952. O PCB reduziu seu eleitorado em 47%, caindo de 46.107 para 24.501. A exceção é o PCO, que cresceu 33%, indo de 4.284 para 5.689 votos.

Olhando o conjunto do resultado, percebe-se uma pulverização de vitoriosos (ver anexo 2). Mas os fatos não confirmaram aquele discurso segundo a qual a derrota do PT seria acompanhada pelo fim da polarização entre PT e PSDB. Apesar do crescimento de várias direitas, cuja administração se tornará mais difícil na exata medida do enfraquecimento do inimigo comum de todas elas, o PT, é nítido que o PSDB é o grande vitorioso. E dentro do PSDB, a grande vitória é do setor liderado por Geraldo Alckmin. Vale dizer que são tucanos 10 dos 23 milionários eleitos para governar prefeituras em todo o país.

A derrota da esquerda e a vitória da direita, a derrota do PT e a vitória do PSDB, ocorrem ao mesmo tempo em que cresce a abstenção, o voto nulo e o voto branco. Os números de São Paulo capital são chocantes: João Dória (PSDB) teve 3.085.187 votos. Já a soma de brancos, nulos e abstenções alcançou 3.096.304 votos. Os números de Belo Horizonte também são chocantes: 38% do eleitorado de BH não votou em nenhuma das candidaturas a prefeito.

Em Porto Alegre, 382,5 mil eleitores e eleitoras não escolheram nenhum candidato no primeiro turno. Ou seja, um número maior do que o resultado obtido por Nelson Marchezan, que foi o mais votado e conseguiu 213,6 mil votos no primeiro turno.

Este talvez seja o maior êxito da campanha da direita: reduzir os votos válidos, através da criminalização da política e dos políticos (ver os anexos 3, 4 e 5). Por quais motivos isto ocorreu? O que mudou entre 2012 e 2016, que causou mudanças no comportamento do voto popular?

A principal mudança ocorrida neste período, que pode responder ao menos parcialmente as perguntas feitas no parágrafo anterior é: nesse intervalo, a esquerda brasileira, destacadamente o PT, cometeu erros que alienaram parcelas importantes do povo e que facilitaram os ataques e as vitórias da direita.

O resultado da eleição confirma, aliás, que a eventual adoção do voto facultativo não favorece a esquerda. A esquerda vence quando cresce a participação popular e perde quando o povo participa menos dos processos eleitorais. O resultado da eleição mostra, também, que o financiamento empresarial privado continua presente nas disputas eleitorais. O que, associado ao oligopólio da mídia, prejudica enormemente as candidaturas de esquerda. Como alguém já observou: depois de três anos e nove meses de “propaganda negativa”, de que adiantam três meses de horário eleitoral gratuito?

Qual o desafio da direita, no novo cenário? Aproveitar o resultado eleitoral para legitimar o impeachment e para acelerar a implementação do programa da “ponte para o futuro”. Qual o desafio da esquerda, no novo cenário? Compreender o ocorrido e adotar as medidas para reverter a derrota.

Dentre as várias causas da derrota do PT, a principal é a mesma que tornou possível o impeachment: perda de apoio na classe trabalhadora. Uma parte menor dos que apoiavam o PT segue apoiando. Outra parte menor votou em candidaturas de esquerda, não-petistas. Uma parte maior passou a votar em candidaturas de centro e direita. E uma parte também maior reforçou as fileiras do voto branco, nulo e da abstenção.

Se o PT quiser reverter a derrota, precisa entender por quais motivos perdeu influência na classe trabalhadora e nos setores populares. Uma das explicações possíveis está na moderação programática e na adaptação ao jeito tradicional de fazer política. Vale dizer que a esquerda brasileira já sofreu derrotas piores do que as de 31 de agosto e de 2 de outubro de 2016. No passado não muito distante, a esquerda enfrentou assassinatos, desaparecimentos, torturas e golpes militares.

Vale dizer, por outro lado, que notícias piores poderão vir, pois a direita brasileira vai redobrar sua ofensiva contra o PT e o conjunto da esquerda, contra os movimentos sociais e sindical, contra suas lideranças, contra os direitos sociais e as liberdades democráticas.

Por estes motivos, caberá ao PT um papel insubstituível: o de realizar um balanço do ocorrido e de reagir à ofensiva da direita. Caso o PT não consiga isto, no curto e talvez mesmo no médio prazo nenhum outro setor da esquerda conseguirá. O PT conseguirá? Esta é a grande questão, que os que são petistas estão chamados a responder.

Anexo 1

Segundo turno nas capitais

Porto Alegre – Nelson Marchezan Junior (PSDB) X Sebastião Melo (PMDB)
Florianópolis – Gean Loureiro (PMDB) X Ângela Amin (PP)
Curitiba – Rafael Greca (PMN) X Ney Leprevost (PSD)
Rio de Janeiro – Marcelo Crivella (PRB) X Marcelo Freixo (PSOL)
Belo Horizonte – João Leite (PSDB) X Alexandre Kalil (PHS)
Vitória – Luciano (PPS) X Amaro Neto (SD)
Campo Grande – Marquinhos Trad (PSD) X Rose Modesto (PSDB)
Cuiabá – Emanuel Pinheiro (PMDB) X Wilson Santos (PSDB)
Goiânia – Iris Rezende (PMDB) X Vanderlan (PSB)
Aracaju – Edvaldo Nogueira (PCdoB) X Valadares Filho (PSB)
Maceió – Rui Palmeira (PSDB) X Cícero Almeida (PMDB)
Recife – Geraldo Júlio (PSB) X João Paulo (PT)
Fortaleza – Roberto Claudio (PDT) X Capitão Wagner (PR)
São Luís – Edivaldo Holanda Junior (PDT) X Eduardo Braide (PMN)
Macapá – Clécio Vieira (Rede) X Gilvam Borges (PMDB)
Belém – Zenaldo Coutinho (PSDB) X Edmilson (PSOL)
Manaus – Artur Neto (PSDB) X Marcelo Ramos (PR)
Porto Velho – Dr. Hildon (PSDB) X Léo Moraes (PTB)
Segundo turno em outros municípios

Caxias do Sul (RS) – Edson Nespolo (PDT) X Daniel Guerra (PRB)
Canoas (RS) – Beth Colombo (PRB) X Busato (PTB)
Santa Maria (RS) – Valdeci Oliveira (PT) X Pozzobom (PSDB)
Blumenau (SC) – Napoleão Bernardes (PSDB) X Jean Kuhlmann (PSD)
Joinville (SC) – Udo Dohler (PMDB) X Darci de Matos (PSD)
Maringá (PR) – Silvio Barros (PP) X Ulisses Maia (PDT)
Ponta Grossa (PR) – Marcelo Rangel Cruz Oliveira (PPS) X Aliel Maxhado (Rede)
São Gonçalo (RJ) – Dr. José Luiz Nanci (PPS) X Dejorge Patricio (PRB)
Duque de Caxias (RJ) – Washington Reis (PMDB) X Dica (PTN)
Niterói (RJ) – Rodrigo Neves (PV) X Felipe (PSB)
Petrópolis (RJ) – Bernardo Rossi (PMDB) X Rubens Bomtempo (PSB)
Volta Redonda (RJ) – Baltazar (PRB) X Samuca Silva (PV)
Contagem (MG) – Carlin Moura (PC do B) X Alex de Freitas (PSDB)
Juiz de Fora (MG) – Bruno Siqueira (PMDB) X Margarida Salomão (PT)
Vila Velha (ES) – Max Filho (PSDB) X Neucimar Fraga (PSD)
Cariacica (ES) – Marcelo Santos (PMDB) X Juninho (PPS)
Serra (ES) – Sergio Vidigal (PDT) X Audifax (Rede)
Bauru (SP) – Gazzetta (PSD) X Raul (PV)
Diadema (SP) – Lauro Michels (PV) X Vaguinho (PRB)
Franca (SP) – Sidnei Franco da Rocha (PSDB) X Gilson de Souza (DEM)
Guarulhos (SP) – Guti (PSB) X Eli Corrêa Filho (DEM)
Guarujá (SP) – Haifa Madi (PPS) X Dr. Valter Suman (PSB)
São Bernardo do Campo (SP) – Orlando Morando (PSDB) X Alex Manente (PPS)
Santo André (SP) – Paulo Serra (PSDB) X Carlos Grana (PT)
Osasco (SP) – Rogério Lins (PTN) X Lapas (PDT)
Sorocaba (SP) – Crespo (DEM) X Raul Marcelo (PSOL)
Suzano (SP) – Rodrigo Ashiuchi (PR) X Lacerda (PTB)
Ribeirão Preto (SP) – Duarte Nogueira (PSDB) X Ricardo Silva (PDT)
Mauá (SP) – Átila Jacomussi (PSB) X Donisete Braga (PT)
Jundiaí (SP) – Luiz Fernando Machado (PSDB) X Pedro Bigardi (PSD)
Taubaté (SP) – Pollyana Gama (PPS) X Saud (PMDB)
Caruaru (PE) – Tony Gel (PMDB) X Raquel Lyra (PSDB)
Jaboatão dos Guararapes (PE) – Anderson Ferreira (PR) X Neco (PMB)
Olinda (PE) – Antônio Campos (PSB) X Professor Lupercio (SD)
Anápolis (GO) – João Gomes (PT) X Roberto do Orion (PTB)
Vitória da Conquista (BA) – Herzem Gusmão (PMDB) X Zé Raimundo (PT)
Caucaia (CE) – Naumi Amorim (PMB) X Eduardo Pessoa (PSDB)

Fonte: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Outubro/confira-as-cidades-onde-havera-segundo-turno-em-30-de-outubr

Anexo 2

Variação de vitórias por principais partidos da direita, sendo o primeiro número referente a 2016 e o segundo referente a 2012. Quando se considera o numero de eleitores e o número de habitantes, fica clara a hegemonia do PSDB.

PMDB – 1041 / 1018
PSDB – 811 / 693
PSD – 543 / 494
PP – 495 / 467
PSB – 423 / 436
PDT – 342 / 308
PR – 299 / 274
DEM – 267 / 276
PTB – 266 / 295

Anexo 3

Os dados a seguir, divulgados no portal NEXO, mostram o histórico de crescimento dos brancos/nulos.

anexo3

Anexo 4

Os dados a seguir, divulgados no portal NEXO, confirmam o crescimento da abstenção.

anexo4

Anexo 5

A seguir, a queda no alistamento eleitoral de jovens entre 16 e 18 anos, quando confrontamos 2012 com os anos posteriores. A fonte é igualmente o portal NEXO

anexo5

* VALTER POMAR é professor de relações internacionais na UFABC.

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